A palavra “diácono” não foi traduzida, foi transliterada, isto é, tomada exatamente como se escreve na língua grega – diakonos
– e transposta para a nossa língua, e assim, nos habituamos a ouvi-la
sem saber que o seu significado. Ela aparece três vezes no versículo do
evangelho de João acima citado, significando que todo aquele que segue a
Jesus deve ver a si mesmo como um simples servo ou escravo. Mais tarde,
na igreja primitiva, a palavra passou a designar um cargo específico: o
ofício de diácono. Esta função é tida por Paulo como de muita honra e
de muita confiança. E, de fato, é; por essa razão as igrejas têm que
agir com muito cuidado na escolha daqueles que vão ocupá-la. Portanto, é
importante definir bem a esse ofício e quais são as exigências para
exercê-lo. Infelizmente muitos têm uma noção errada a respeito do
diaconato e por isso é bom ver o que a Bíblia diz sobre o assunto.
I. A origem do diaconato está em Jesus
O modelo perfeito do diácono é Jesus. Em Mc.10.35-45 temos o episódio
em que Tiago e João pedem a Jesus para sentar-se ao lado dele na sua
glória, o que revoltou os demais apóstolos e deu a Jesus uma
oportunidade para ensinar que se alguém quiser tornar-se importante na
sua igreja precisará tornar-se servo de todos, pois “o próprio Filho do
homem não veio para ser servido, mas para servir e para dar a vida em
resgate de muitos.” (v.45 – o verbo aqui usado é da mesma raiz da
palavra “diácono”) . De modo que, se alguém quiser ser um verdadeiro
diácono, não espere ser reconhecido pelo cargo que ocupa, mas sim por
sua prontidão em servir.
Em Fp.2.5-7, lemos o seguinte: “Tende em vós o mesmo sentimento que
houve também em Cristo Jesus, que, existindo em forma de Deus, não
considerou o fato de ser igual a Deus algo a que devesse se apegar, mas,
pelo contrário, esvaziou a si mesmo, assumindo a forma de servo”. Jesus
não buscou os seus direitos nem os seus interesses pessoais, mas foi
capaz de renunciar a tudo para dar-se a si mesmo por nós. O objetivo
dele não era a sua própria glória, honra e satisfação, mas servir à
humanidade, e para isto humilhou-se profundamente, até o ponto de morrer
em nosso lugar.
Cremos que foi com base no exemplo de Jesus que a igreja primitiva
deu o título de “diácono” a esse ofício tão importante, que trará honra a
pessoa que o exerce somente se esta tiver um verdadeiro propósito de
servir, de viver uma verdadeira vida de serviço.
II. Há um sentido em que todos os crentes são diáconos
Usando o mesmo verbo acima citado (da raiz da palavra “diácono”), o
apóstolo Pedro exorta seus leitores a servir uns aos outros conforme o
dom que cada um recebeu (I Pd.4.10). Nesse sentido, então, todos os
crentes são diáconos, pois estão na mesma condição de servirem uns aos
outros naquilo que Deus os capacitou a fazer.
Também o Senhor Jesus, falando sobre o juízo final, diz que aqueles
que em seu nome tiverem prestado algum serviço aos necessitados,
receberão o reconhecimento por esse gesto. O serviço, nesse caso, é
alimentar o faminto, dar água ao que tem sede, vestir os nus, visitar os
doentes e os presos, acolher os estrangeiros, que são deveres de todos
os crentes (Mt.25.31-44). Na mesma direção, o evangelista Marcos se
refere às mulheres que seguiam a Jesus e o serviam (Mc.15.41).
Portanto, não devemos pensar que apenas os diáconos são responsáveis
por atender as diversas necessidades das pessoas, pois esta é uma tarefa
de todos na igreja, cada um de acordo com o dom e os recursos que
recebeu do Senhor. Nesse sentido todos somos diáconos. Na verdade os
diáconos, como oficiais da igreja, devem atuar como líderes dessas
atividades de serviço.
III. Há um outro sentido em que os apóstolos e seus colaboradores (missionários e pastores) também são diáconos
Paulo usa esta palavra para referir-se a si mesmo em I Co.3.5 e II
Co.3.6; 6.4. E usa-a também para referir-se a Timóteo (I Ts.3.2), a
Tíquico (Cl.4.7) e a Epafras (Cl.1.7). A palavra é usada por Paulo para
referir-se até mesmo a Cristo (Rm.15.8). Conforme o contexto o termo é
traduzido por “ministro” ou por “servo”, sempre com o fim de qualificar
pregadores e mestres, chamados e enviados por Deus para fazer a obra
missionária, que era de proclamação e ensino.
Seja qual for o ministério para o qual o Senhor nos chamar, tal
ministério somente poderá ser exercido como um serviço a outros.
Portanto, não se trata primariamente de uma posição de honra e
autoridade, se bem que inclua isto. Aliás, uma outra palavra grega que é
usada para “ministro” é “hiperetes” (I Co.4:1) cujo sentido primitivo
referia-se aos remadores que ficavam na parte de baixo de um grande
navio. Nem Apolo, nem Pedro, nem Paulo, nem qualquer outro, fosse qual
fosse a sua função na igreja, era tão importante que devesse ser
considerado mais do que um simples remador de segunda classe (hiperetes)
ou um servidor de refeições (diakonos), funções que nos tempos bíblicos
eram ocupadas por escravos. Na verdade somos todos “despenseiros da
multiforme graça de Deus” (I Pd.4.10).
É claro que, tanto no ponto anterior como neste, o uso que se faz da
palavra diácono é geral, pois tratava-se de termo bastante comum na
época, podendo significar o servente de uma refeição (Jo.2.5,9), o servo
de um mestre (Mt.22.13), o servo de um poder espiritual, bom ou mau
(Cl.1.23 e II Co,11.15), o servo de Deus (II Co.6.3) ou de Cristo (II
Co.11.23). Portanto, a palavra era empregada genericamente para falar de
qualquer pessoa que prestasse serviço a alguém, que estivesse a serviço
de alguém, numa posição de subordinação. Na igreja primitiva, fica
claro que todos são diáconos (servos) num sentido geral, inclusive os
apóstolos e os pastores (também chamados de presbíteros ou bispos).
IV. O diaconato como um ministério específico
Em Atos 6.1-7, bem no início da igreja, temos o embrião do ministério
diaconal, uma amostra do seu futuro perfil. Houve problemas com a
distribuição de ajuda às viúvas da igreja de Jerusalém, tendo sido uma
parte delas prejudicada, talvez por falta de tempo dos apóstolos para
cuidar desse assunto. A igreja foi então convocada para escolher sete
irmãos idôneos e experientes para cuidar dessa distribuição e,
naturalmente, de outros assuntos semelhantes. Os apóstolos passaram a
cuidar exclusivamente da função pastoral em si, que consistia na
pregação e na assistência espiritual. Estes sete, entretanto, ainda não
são chamados de diáconos, apesar de o trabalho a eles atribuído ser
chamado de serviço (“diaconia”).
Com o crescimento e a evolução da igreja primitiva surgiu um ofício
específico, com o título de “diácono”, por causa da essência dessa
função, que é o serviço aos necessitados, uma ministração basicamente
material. Em Fp.1.1, Paulo dirige-se à igreja de Filipos, saudando seus
bispos e diáconos. Em Rm. 16:1-2, ele fala de Febe, uma diaconisa da
igreja de Cencréia, a quem recomenda e elogia. Em I Tm. 3.8-12, ele faz
uma lista de requisitos para se consagrar pessoas ao diaconato. É
preciso lembrar que as igrejas do Novo Testamento geralmente não tinham
templo e, portanto, não tinham patrimônio a ser administrado, uma área
com a qual os diáconos de hoje têm muito envolvimento, pois modernamente
quase não há igrejas sem templo.
Portanto, a função dos diáconos era cuidar dos necessitados e
carentes entre a membros da igreja. É bom tomar cuidado para não ver o
diaconato como uma função secundária. Naquela altura da existência da
igreja, o diaconato já se estabelecera como um ofício a ser exercido por
pessoas altamente qualificadas, escolhidas e consagradas para tanto.
Paulo dá a essas pessoas um tratamento especial, considerando-as como
autoridades juntamente com os pastores. Na verdade estas são as duas
únicas classes de oficiais da igreja mencionadas no Novo Testamento:
pastores e diáconos.
V. A necessidade do diaconato
Uma pergunta que surge de vez em quando é: Por que a igreja tem
diáconos? Evidentemente, a igreja não irá consagrar pessoas ao diaconato
apenas para dar-lhes um título. A resposta a esta questão, em primeiro
lugar, está na sua necessidade. No texto acima de Atos 6.1-7, aprendemos
que foi necessário designar pessoas para a função especial de liderar a
ministração as viúvas da igreja (e cremos que também a outras pessoas
na mesma condição de carência). Jesus disse: “Sempre tereis os pobres
convosco.” (Jo.12.8), aludindo ao fato de que permanentemente teremos
entre nós pessoas a quem precisaremos ajudar. Certamente o diaconato
surgiu da necessidade de organizar essa ajuda na igreja primitiva.
Apesar de não haver na Bíblia nenhuma “descrição de cargo” referente ao
diaconato, isto é, de não termos maiores informações sobre essa função,
fica subentendido que a razão do surgimento do diaconato foi essa.
Nas igrejas batistas, por extensão, tornou-se praxe os diáconos
cuidarem também das necessidades dos pastores e suas famílias, e da
ministração da Ceia do Senhor. Já que sempre será necessário que alguém
cuide da família pastoral em nome da igreja, e que algumas pessoas
ajudem a servir os elementos da Ceia, entendem os batistas que os
diáconos são as pessoas mais indicadas para fazê-lo. Observamos,
entretanto, que não há nenhum dispositivo bíblico estabelecendo essa
prática.
Em segundo lugar, ainda, respondendo à pergunta acima formulada,
afirmamos que há uma razão bíblica para o diaconato. O ofício é
explicitamente mencionado na Bíblia, inclusive listando as qualificações
exigidas para o seu exercício (Fp.1:1, I Tm.3.8-12). Aliás, como já
dissemos acima, só havia duas classes de oficiais na igreja primitiva:
pastores (também chamados de bispos ou presbíteros) e diáconos, que são
ofícios estritamente funcionais, essenciais ao trabalho da igreja.
Portanto, em vista, da necessidade antes referida, oficializou-se a
função do diaconato, cujo ocupante recebeu o título altamente sugestivo
de “diácono”, e as igrejas passaram a separar pessoas para esse ofício.
VI. Os requisitos para o diaconato
Em I Timóteo 3:8-13, o apóstolo Paulo instrui seu discípulo, o pastor
Timóteo, sobre como tratar da escolha dos candidatos ao diaconato. No
versículo 10 ele diz explicitamente que os candidatos “devem
primeiramente passar por experiência; depois, se considerados
irrepreensíveis, exerçam o diaconato.” Na língua original, “passar por
experiência” (ou “ser provados”, como em outras traduções) quer dizer
“ser testado como um metal precioso”. Isto é, os candidatos devem
submeter-se a uma avaliação da igreja e seus líderes acerca do seu
caráter e conduta. Ao ordená-los diáconos, a igreja assume a
responsabilidade por tal julgamento. De fato, é bom que os candidatos
passem por um período de observação após a sua indicação. Entretanto, a
igreja pode entender que os mesmos já demonstraram anteriormente que
possuem, efetivamente, todos os requisitos para a função, e assim
dispensar esse tempo de observação.
Somente depois de julgados “irrepreensíveis” é que os candidatos
devem exercer o diaconato. Originalmente esta expressão significa “não
poder ser agarrados”. O que Paulo quer dizer é que os candidatos não
devem apresentar, na sua vida passada ou presente, nenhum defeito óbvio
de caráter ou de conduta que os maliciosos de dentro e de fora da igreja
possam explorar, para desacreditá-los. Não podem estar sujeitos a
qualquer censura ou crítica justa. Para essa avaliação é preciso ter
critérios objetivos, por isso Paulo relaciona uma série de requisitos
que devem ser preenchidos pelos candidatos. Veja a seguir:
I. Respeitabilidade
“Os diáconos devem ser respeitáveis” (vs.8 e 11 – algumas traduções
trazem “sérios”), referindo-se a pessoas de princípios e comportamento
elevados, dignas de respeito por seu temperamento equilibrado e por sua
postura moral correta; pessoas que são conhecidas pelo seu bom senso e
pela coerência entre seus atos e suas palavras.
II. Sinceridade
“De uma só palavra” (v.8- algumas traduções trazem “não de língua
dobre”) e “não caluniadoras” (v.11 – algumas traduções trazem “não
maldizentes”).
Os diáconos devem ser destituídos de toda e qualquer ambiguidade,
isto é, não podem pensar uma coisa e dizer outra; ou, por outro lado,
não podem dizer uma coisa a uma pessoa sobre determinado assunto e dizer
outra coisa a outra pessoa sobre o mesmo assunto, mostrando ter “duas
palavras”. Também precisam ter muito cuidado ao lidar com as diversas
situações que encontram em seu trabalho de visitação, a fim de não se
tornaram difamadores, principalmente as diaconisas. É interessante notar
que a palavra usada no original para caluniadoras é “diabolos”, que
significa basicamente “aquele de acusa”.
III. Temperança ou Domínio Próprio
“Não dados a muito vinho” (v.8 – literalmente “não acompanhantes do
vinho”), “temperantes” (v.11 – uma outra tradução traz “moderadas”)..
Paulo não proibia a bebida inteiramente, mas sim seu uso excessivo,
ou a escravidão a ela, o vício. Numa sociedade em que o vinho era usado
como alimento, e até como remédio, temos aqui uma clara condenação da
embriaguez, que era um dos problemas mais comuns na antiguidade. O
testemunho bíblico é fortemente contrário a bebida forte. A aplicação
prática desse ensino na sociedade atual é a total abstinência. A
expressão “não inclinado” significa não só que não devemos dar atenção
ao vinho, mas também que não devemos dar a nossa aprovação. Por
extensão, esta recomendação de temperança se aplica a toda espécie de
excesso ou exagero, seja no comer, no vestir, no falar ou em qualquer
outra atividade.
IV. Desambição
“Não cobiçosos de torpe ganância” (v.8 – uma outra tradução diz “não dominados pela ganância”), “fiéis em tudo” (v.11).
Não deviam se apegar ao dinheiro ao ponto de ter sua integridade
questionada. A ganância é um dos pecados característicos dos falsos
mestres. A advertência contra a avareza aparece em todas as listas de
qualificações para a liderança. Os diáconos corriam o risco de
transformar seu ofício em um meio de tirar proveito pessoal, pois
ficavam expostos à tentação de usar os recursos materiais que
administravam na assistência aos necessitados. Por isso precisavam ser
fiéis em tudo.
V. Fidelidade
“Guardando o mistério da fé numa consciência pura” (v.9 – outra
tradução diz: “Devem permanecer no mistério da fé com consciência pura),
“Fiéis em tudo” (v.11).
O foco aqui é a pureza de consciência. É preciso haver uma certeza
interior a respeito do mistério da fé, que é o propósito eterno de Deus
revelado em Cristo, a verdade revelada no evangelho, especialmente a
doutrina da salvação. Entretanto, tal fé e sua compreensão só podem ser
mantidas salutarmente onde houver obediência ativa e conscienciosa.
Aquele que deseja recomendar aos outros a verdade do evangelho (ou
mistério da fé), deve exemplificá-la conscientemente na sua própria
conduta, de modo a gerar neles confiança em sua pessoa. Portanto, a
fidelidade aqui referida é a verdade do evangelho que é refletida no
comportamento dos candidatos, principalmente no trato daquilo que lhe
for confiado.
VI. Conduta exemplar com relação a família
“Maridos de uma só mulher” (v.12).
Esta exigência tem um forte pano de fundo cultural. A poligamia
naquela época era extremamente comum e a infidelidade conjugal era
praticamente um hábito, algo tido como implícito no casamento. Por outro
lado, permanecer solteiro após a morte do cônjuge ou o divórcio era
considerado meritório, o que não significava necessariamente manter-se
sexualmente puro. Por tudo isso havia muitos convertidos que,
infelizmente, não estavam livres das complicações provocadas por
relacionamentos anteriores, em virtude da poligamia, da infidelidade, da
viuvez ou do divórcio. Cremos que o ensino de Paulo aqui é que se
requer dos candidatos ao diaconato que estejam livres dessas
complicações e que sejam conhecidos por sua absoluta fidelidade ao
cônjuge. A igreja deve evitar escolher para a função uma pessoa com
problemas nessa área da vida.
“Governar bem os filhos e a própria casa” (v.12)
O caráter de um diácono é melhor contemplado no âmbito da sua própria
família, na maneira de liderá-la e de relacionar-se com ela. Suas
habilidades de líder, seu caráter e sua conduta serão melhor revelados
por meio de uma família bem estruturada e marcada por relacionamentos
saudáveis, em que estejam preservados os papéis dos pais e dos filhos,
em que haja respeito e admiração, em que haja ética e santidade.
Concluindo este nosso estudo, voltamos a citar o que Paulo disse a
Timóteo (I Tm.3.13): “Os que servirem bem como diáconos irão adquirir
lugar de honra e muita confiança na fé que há em Cristo Jesus.” Uma
conseqüência natural de uma vida de bons serviços é ser reconhecida e
honrada. Os diáconos que desempenharem corretamente a sua função
receberão a honra e o reconhecimento daqueles a quem servem. Ao mesmo
tempo, em virtude do resultado do seu trabalho e da aprovação dada ao
mesmo tanto pelo Senhor como pela igreja, estarão cada vez mais seguros
de sua relação com Jesus Cristo e testemunharão com firmeza de sua fé
nele.
Pastor da IB Central de Oswaldo Cruz-RJ
sylmacri@globo.com