O topo da montanha

Há alguns anos atrás foi criado o Dia do Idoso. Isso não deveria ser necessário, porque todo dia deveria ser do ancião. Respeito, admiração, homenagens, apoio e tratamento justo deveriam ser atitudes rotineiras na vida dos idosos. Como se sabe, entretanto, a realidade não é esta; mas poderia ser mu-dada, se cada um de nós mudasse. O problema é que ficamos discutindo de quem é responsabilidade (e geralmente concluímos que é do poder público), e nos transformamos em simples espectadores, quando na verdade somos atores desse drama. Creio que uma das maneiras mais úteis de transformar essa cena seria mudar nossa maneira de avaliar a velhice. 

E a primeira coisa a fazer é acabar com essa mania de fazer diferença entre palavras. Ancião, idoso, velho, terceira idade, etc., são palavras que significam exatamente a mesma coisa: uma pessoa que viveu muito. Não há nelas nenhuma conotação preconceituosa. Nós é que criamos o preconceito, com discursos tolos. Outra coisa a fazer, é considerar os velhos como elementos essenciais ao equilíbrio da espécie humana. 

Os anciãos não são descartáveis, não têm “prazo de validade”. São seres humanos tão valiosos como, por exemplo, as crianças. Sem eles, não seria possível preservar a humanidade, por várias razões, sendo a maior delas o fato de que os idosos são os detentores da maior parte do conhecimento e da sabedoria essenciais à existência humana. Uma das principais facetas do conhecimento e da sabedoria é que eles só podem ser adquiridos por acumulação.
Mais tempo de vida, mais conhecimento e sabedoria. A própria organização da educação ou treinamento, formal ou informal, em qualquer sociedade, primitiva ou avançada, demonstra claramente isto. Vamos galgando lentamente os degraus do conhecimento. Envelhecer é uma lenta substituição da força física pela força da mente; o poder passa dos músculos para os neurônios.
Sem o conhecimento e a sabedoria dos velhos, a humanidade já teria sido destruída. A Bíblia diz: “Ser sábio é melhor do que ser forte; o conhecimento é mais importante do que a força” (Pv.24:5). Aí está o equilíbrio: jovens são fortes, velhos são sábios. Esta pode ser considerada uma visão simplista, mas basicamente é isto mesmo. Envelhecer pode ser um processo doloroso ou prazeroso. 

Há pessoas que encaram a velhice como uma série sempre crescente de limitações, tanto físicas como intelectuais e sociais. Esta é a maneira negativa. Entretanto há pessoas que envelhecem como o alpinista: fazendo uma escalada. Esta é a maneira positiva. A ciência diz que o ser humano já começa a envelhecer no dia que nasce. A maneira como contamos os dias depende muito de onde queremos chegar; o único limite aceito pelo alpinista é o topo da montanha. O salmo 90, que é uma das obras primas da Bíblia, foi escrito por Moisés, um homem que viveu 120 anos e começou a realizar a grande obra da sua vida quando já estava com 80 anos. Trata-se de uma oração composta de expressões de adoração, contrição e súplica, todas voltadas para um só assunto: a velhice. 

O salmo começa com uma afirmação sobre a eternidade de Deus e a limitação do homem. Compara o Criador, para quem mil anos são como um dia, com a criatura, que é como a erva, a qual nasce, cresce, floresce e morre em um só dia. A seguir há um lamento acerca da velhice, caracterizada como a idade da canseira e do enfado. Note-se que Moisés não está se referindo a todos. Alguns alcançam vida mais longa. Mesmo porque ele próprio não experimentou este cansaço e este tédio; pelo contrário, a sua vida tornou-se uma grande aventura justamente depois dos 80 anos. Por último temos uma longa e abrangente súplica, por três coisas: sabedoria para viver, compensações em troca dos sofrimentos e aprovação de Deus para as realizações da vida. Entretanto, o eixo de todo o salmo é o versículo 12: “Ensina-nos a contar os nossos dias de tal maneira que alcancemos corações sábios”. Ele é a chave para o entendimento de todo o texto. Já que a nossa vida é tão limitada e dela temos que prestar contas a Deus, precisamos vivê-la da maneira mais inteligente possível. 

Em primeiro lugar, é preciso viver cada dia. E vivê-lo na presença do Deus da graça e da benignidade e não do Deus da indignação e da ira. Em segundo lugar, é preciso saber que a vida não termina em um dia, e que um dia aparentemente ruim será seguido de muitos dias bons. Em terceiro lugar é preciso entender que a vida só tem significado, só atingiu o seu verdadeiro objetivo, se aquilo que realizamos é aprovado por Deus. Para encerrar, transcrevemos um pequeno trecho do livro Psicologia da idade adulta, de Merval Rosa (Petropólis, Vozes, 1994, p.130), em que ele cita Jacques Leclerq: “’Quando se escala uma montanha, quando se chega ao topo, não se encontra mais que pedras e neve; mas dali a vista é magnífica. Já não se pode subir mais, senão ir ao céu.’ 

O mesmo acontece com a velhice. Ao longo da vida subimos por centenas de caminhos, às vezes sinuosos, e pouco a pouco a paisagem nos é revelada; os que mandavam, dirigiam e protegiam nossa juventude desapareceram um após outro; depois os companheiros de jornada também desapareceram. O indivíduo segue em sua caminhada e cada vez mais está só. O que chega à velhice termina como o alpinista no topo da montanha, e quando volve seu olhar contempla a vida estendida diante de si como uma paisagem. Este é o ponto culminante, mas é também o fim do homem sobre a terra. Não há outra maneira de avançar, senão ir para o céu. Podemos tirar semelhante lição da narrativa bíblica da subida de Moisés ao monte, antes de subir ao céu. É como se lhe fosse dada a oportunidade de contemplar daquelas alturas o verdadeiro significado de sua própria existência. 

A velhice, portanto, pode ser o topo da montanha de onde contemplamos todo o desenrolar de nossa história pessoal. E, mais do que isso, desse topo da montanha subimos ao céu, nossa eterna morada.” 

Pr. Sylvio Macri 
Pastor da IB Central de Oswaldo Cruz-RJ