O domingo mudou.
Eu era menino na Copa do Mundo de 1966, disputada na Inglaterra,
que não permitiu jogos ao domingo. Em outros países, não havia esta
restrição. No Brasil, o locutor Waldir Amaral (1926-1997) insuflava seu
dístico: "Domingo é dia de futebol".
As novas gerações não sabem, mas o comércio não abria aos domingos.
Ainda hoje a legislação trabalhista estabelece que um domingo
trabalhado deve ser compensado. Continua viva a ideia, nos países de
passado ou presente cristão, de que o domingo é dia de descanso.
Só que descanso em nossa civilização é lazer, tornado um objeto a
ser consumido. Para ser consumido, precisa ser vendido. Para ser
vendido, pessoas têm que trabalhar.
O domingo mudou.
Ao tempo do primeiro Testamento, era um dia de descanso. Assim
nasceu, como um mandamento a ser cumprido no sétimo dia (Êxodo 23.12).
Depois, ao descanso se associou a ideia de celebração; no dia de descanso, era dia de celebrar (agradecer) o Senhor da vida. Infelizmente, mais que se ser também um dia de culto, o sábado se transformou num objeto de culto. O sistema do sábado foi colocado acima da vida, que Deus sempre põe acima das coisas.
Depois, ao descanso se associou a ideia de celebração; no dia de descanso, era dia de celebrar (agradecer) o Senhor da vida. Infelizmente, mais que se ser também um dia de culto, o sábado se transformou num objeto de culto. O sistema do sábado foi colocado acima da vida, que Deus sempre põe acima das coisas.
Quando deu começo ao segundo Testamento, Jesus restabeleceu a ordem
divina das coisas e passou a trabalhar (no seu caso: ensinar e curar)
no sábado. Ele naturalizou (desidolatrizou) o sábado, pagando o preço
que conhecemos. Em certo sentido, ele descansou apenas uma vez no
sábado, o que antecedeu o domingo da sua ressurreição.
Em sua homenagem e para que a idolatria do sábado não permanecesse,
os primeiros cristãos passaram a descansar e a celebrar no domingo,
porque no domingo havia motivo para celebrar: a vida recomeçara nele,
para Jesus e para todos os seus seguidores.
A aceitação da ideia do descanso e a fé na ressurreição de Jesus
Cristo fizeram, primeiramente entre os cristãos e depois entre as
pessoas em geral, com que o domingo se tornasse o que se tornou. Como os
cristãos venceram as perseguições pela arma do testemunho da paz,
cresceram. Tendo crescido, com intenção política, como é típica de todos
os políticos em todos os tempos, os governantes colocaram o domingo
como dia de descanso (para o público em geral) e celebração (para os
cristãos em particular).
Desde então, boa parte dos cristãos evangélicos vai aos domingos à sua igreja.
Uns vão TODOS os domingos, alguns duas vezes (manhã e noite).
Outros vão QUASE TODOS os domingos.
Ainda outros vão ALGUNS domingos por mês.
E outros vão RARAMENTE aos domingos à sua igreja.
E ainda outros NUNCA vão aos domingos à sua igreja, estando entre
os motivos uma impossibilidade real física (como a doença), um trauma
que a igreja lhes provocou, a inexistência de uma igreja próxima ou o
desenvolvimento da ideia de que não cabe a ideia de alguém ir a uma
igreja.
Quando somos crianças, filhos de pais cristãos, não sabemos porque
vamos à igreja. Somos levados. Entre os que somos levados, alguns
gostamos.
Os demais, por que vamos?
Não penso nisto quando lamento aqueles que não vão. Penso nesta
pergunta quando vejo uma pessoa entrando na igreja com dificuldade,
empurrada numa cadeira de rodas. Lembro-me deste assunto quando
acompanho alguém precisando tomar fôlego para galgar cada degrau ou cada
passo da rampa que lhe leva ao salão de culto. Trago esta questão para
minha agenda quando me encontro com alguém que, depois de anos longe da
igreja, retorna, sem qualquer explicação aparente.
Confesso: fico encantado. Admito: fico intrigado.
Por isto, examino algumas explicações para o ato de ir à igreja (entendida como o lugar onde as pessoas se reúnem como igreja).
É comum ouvirmos que as pessoas vão à igreja para recarregar as
baterias. Neste caso, ela é como um posto de gasolina onde o carro é
abastecido (de combustível ou outros acessórios, como a bateria).
Conquanto cultuar a Deus na igreja nos fortaleça para a vida, pensar na
igreja apenas nesta dimensão nos transporta para uma visão utilitária
da igreja. Se não precisamos de combustível, não vamos ao posto. No caso
da igreja, vamos lá apenas buscar o que precisamos.
Também escutamos que as pessoas vão à igreja para entrar na
presença de Deus. Prevalece ainda um certo conceito, típico da era do
primeiro Testamento, que Deus mora no lugar em que é cultuado. Essa
ideia, que aparece também em muitas orações ("Entramos, Senhor, em tua
presença"), é bastante nociva. Do Deus revelado na Bíblia nunca temos
como sair de sua presença, mesmo que estejamos tentando fugir dele, como
Agar no deserto. Lembremos também do salmo 139.
Às vezes, alguns formulam a frase que vão à igreja para agradar a
Deus, como se o ato fizesse bem a Deus. Vence, neste caso, a pedagogia
do medo. A ideia de "agradar a Deus" pode trazer no seu interior o medo
de "desagradar a Deus". Nesse caso, ele não é agradado porque é bom,
mas porque não pode ser desagradado. Não é de de estranhar que nem todas
as crianças que iam à igreja se tornaram adultos que a frequentam.
Muitos deixam de ir à igreja quando perdem o medo infantil de Deus. Não
custa afirmar que infundir medo nos outros é coisa de gente, não é coisa
de Deus.
Com muita sinceridade, uns reconhecem que vão à igreja para encontrar pessoas. Esta não é uma motivação de todo ruim.
Sobram, na verdade, boas razões para fazermos do domingo, por meio da igreja, um lugar de descanso e celebração.
Desejo agora apresentar algumas motivações para a participação numa igreja.
A cada uma dei um adjetivo.
MOTIVAÇÃO ERGONÔMICA -- Todos precisamos descansar. Como somos
teimosos e nos achamos super-homens, Deus mesmo cuidou de nos legar um
mandamento: descansem. O sábado bíblico incluía a folga do trabalho, mas
também a folga da terra. Penso nesta dimensão, tomando a igreja como
uma oportunidade que lhe damos para nos desintoxicar do estilo de vida
do mundo em que vivemos (da pressa, do grito, da concorrência, da
corrupção) em busca de um pouco de calma, silêncio, entrega e
santidade).
MOTIVAÇÃO ESTÉTICA -- Todos precisamos de fruir o que é bonito. A
arte nos humaniza e nos eleva. Por isto, gostamos de música, teatro e
cinema. A igreja é sempre a casa da música, que cantamos e ouvirmos. Uma
música bonita é uma prolepse do céu. As gerações mais experientes se
sentem transportadas no céu diante de uma música como "Jerusalém", entre
outras. As novas gerações entram em sintonia com o céu com canções como
"Vim para adorar-te", por exemplo. A arquitetura do templo tem que ser
sublime. Até mesmo um sermão também precisa ser bonito. Nestes casos,
celebrar é experimentar a beleza.
MOTIVAÇÃO PSICOLÓGICA -- Podemos celebrar sozinhos, em casa, mas
precisamos celebrar em conjunto. Pertencer a um grupo é uma de nossas
necessidades básicas. Celebrando juntos, amamos e nos sentimos amados.
Quando nossa voz, no louvor, se junta a outras vozes e parecem ecoar da
terra ao céu, somos tomados um senso de relevância que não
encontraríamos em outra prática.
MOTIVAÇÃO PEDAGÓGICA -- Todos temos muito o que aprender. E, na
igreja, aprendemos de Deus. Ele nos deixou escrita a sua Palavra, que
podemos ler e interpretar. Devemos lê-la sozinhos, mas devemos lê-la na
comunidade. Lendo a Bíblia em comunidade, conferimos nossas
interpretações e evitamos o erro. Ouvindo, do professor ou do pregador, a
interpretação, somos alçados a voos que a leitura solitária não
alcançaria.
MOTIVAÇÃO HUMANITÁRIA -- Quando vamos à igreja, nós nos associamos a
outras pessoas para ajudar outras pessoas. Somos pessoas solidárias.
Ajudar nos realiza como pessoas. Na igreja somos instados a deixar nossa
natureza egocêntrica para, pondo o centro em Deus, nos tornarmos o que
podemos ser: homens e mulheres altruístas. O dia a dia nos torna pessoas
mesquinhas. O domingo nos torna generosas.
DIMENSÃO ONTOLÓGICA -- Quando celebramos a Deus, num culto coletivo
(que começa com o individual), nós nos encontramos com ele. Ele está ao
nosso lado e no culto nós vemos. Ele nos ama e no culto nós o sentimos.
Quando nos encontramos com ele, nós nos encontramos conosco mesmos. É
no encontro que nos realizamos. O culto, portanto, tem uma dimensão
ontológica. [FIM]
ISRAEL BELO DE AZEVEDO
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