Uma conversa sobre oração

Oração é um dos temas mais comentados em nossos arraiais, mas não sei se é praticada com a mesma intensidade com que se comenta. A qualidade espiritual de boa parcela dos membros de nossas igrejas me deixa com esta dúvida. Ressentimentos, mágoas, intrigas, testemunho deficiente, falta de zelo espiritual, todas essas coisas me deixam em dúvida se as pessoas oram como dizem.

Em muitos momentos, a oração é uma reza evangélica. Até mesmo uma superstição. Vai se começar uma reunião, então “Vamos orar para Deus nos abençoar”. Uma visão mágica. Aquelas palavras ali proferidas, com as pessoas desatentas, ansiosas para começarem o assunto, farão Deus nos abençoar. Sem elas, Deus não nos abençoará. Aquele filme da oração da propina dos evangélicos corruptos de Brasília é lastimável. Reduzimos oração a palavras ditas em determinados momentos, não importando o estado espiritual das pessoas nem o motivo da reunião. Aquilo foi uma oração?

Da forma como ouvimos algumas vezes, alguns parecem ver oração como um jeito de convencer um Deus relutante a nos dar as coisas de que precisamos e que ele nos sonega, só para ver se lhe pedimos. Então, “orar é lutar com Deus”. Não sei orar assim, sou sincero. Estou mais para Abraão que para Habacuque e Jonas. Oro para me enquadrar e ouvir. O que vier eu aceito. Peço como Abraão pediu (Gn 15.2 e 8). Intercedo como Abraão (Gn 18.23-33). Mas na maior parte das vezes confio e entrego.

Não sou um homem calejado e experiente em oração. Sou um aprendiz. Cada dia me surpreendo com minha ignorância e me frustro com minhas limitações. Pelo menos busco aprender, me corrijo e sigo em frente. É como aprendiz de oração, e não como mestre, que desejo repartir algumas verdades que entendi nesta área.

1. UM PROBLEMA TEOLÓGICO
A oração sempre se constituiu em um problema teológico para mim. Não um problema espiritual. Fui criado no catolicismo, levado pela mãe para o espiritismo, encontrei e entendi o evangelho. Sempre soube que há alguém acima de mim e fora de mim, o Transcendente, o MAIOR. Então não me foi problema espiritual. Fui católico sincero e fiel, fazendo todas as orações devidas, pela manhã e à noite. A questão não me era espiritual.

Era teológica: por que orar? Deus não é onisciente e sabe de tudo que necessito? E não é amor, tendo interesse por mim? Então por que não me dava as coisas sem que eu precisasse pedir? Uma mãe espera o filho ficar faminto para lhe dar comida? Um pai vê o filho em perigo e não intervém, esperando as coisas piorarem para então ajudá-lo? Eu queria entender o mecanismo da necessidade da oração.

Nesta consideração, algo me veio à mente: por que Jesus orava? Se houve alguém que não precisava orar foi ele. A quem ele orava, se ele era Deus? Se orar é falar com Deus e ele era Deus, isso não seria um monólogo? O capítulo 17 de João me ajudou muito a entender esta questão. Primeiro pela mostra bem clara do relacionamento das pessoas da Trindade. Depois, pelas pistas do que seja oração. Quem a proferiu foi o homem que mais comunhão, em tempo e em qualidade, teve com Deus. E poucos versículos bíblicos me impressionaram tanto quanto João 17.5. Mas no capítulo como um todo vejo algumas pistas do que seja oração.

2. PISTAS SOBRE ORAÇÃO NA ORAÇÃO DE JESUS

(1) Oração é saudade de casa. No versículo 5 Jesus mostra que tem saudades de casa, saudades da eternidade. Ele queria voltar para casa. Sua oração está impregnada de saudades. Não somos da Trindade, mas somos imagem e semelhança de Deus. Nosso lar também não é aqui. Sempre moramos aqui, mas nossa “imagem e semelhança” de Deus anseia por Deus. O homem é o único da criação que busca algo fora dele. As demais criaturas se satisfazem com necessidades elementares. Eclesiastes 3.11 explica esse anseio. Uma pessoa regenerada ora porque tem saudades espirituais de Deus. Jesus queria o que tivera antes na eternidade. Este mundo não o satisfazia. Na oração, buscamos aquilo para que fomos criados, expressamos o nosso anseio por eternidade. Queremos algo além deste mundo. Orar é mostrar que temos uma natureza espiritual. Alguns crentes a sufocam, mas esta natureza está latente em nós e precisa ser desenvolvida. Oração é expressão de nossa característica diferencial da criação.

(2) Oração não é apenas petição. É comunhão aberta e sincera. Ele pede, mas expõe suas carências, suas emoções, demonstra todo seu afeto pelo Pai. Orar é abrir o coração, sem máscaras, dizer o que sentimos, quem somos e o que carregamos em nosso íntimo. Oração é mais que palavras. É sentimento. Temos prazer em conversar com pessoas que nos são prezadas. Jesus orava não porque tivesse necessidades, mas porque não podia deixar de conviver com o Pai que ele amava. Para orar bem você precisa desejar manter comunhão aberta e sincera. Você usa palavras para mascarar sua oração ou pode orar como Davi, no Salmo 139.23-24?
(3) Orar não é a mesma coisa que meditar. Perguntaram ao teólogo Paul Tillich se ele orava e ele respondeu que não, mas que meditava. Meditação é comunhão com o subconsciente. Oração é comunhão com o Deus que está fora de nós. Quando Jesus orava, falava ao Pai, e não consigo mesmo. Esta é a maravilha da Trindade: ela se basta em termos relacionais. Nós não nos bastamos. Se alguém só medita não faz grande coisa, porque todos nós pensamos. Mas quando alguém ora está fazendo algo grandioso. Está buscando o maior poder do universo, e que está fora dele. Para orar bem você precisa ter noção de que está procurando não por si nem pelo outro, mas pelo Outro, o Único, o Grande. Para orar bem é preciso tirar o foco de si e pô-lo em Deus.

(4) Para orar é necessário crer que há um Infinito. Alguém além de nós e de nosso mundo finito. Isso está de acordo com Hebreus 11.6. A oração a um ídolo ou a um santo é um absurdo. Isaías 44.18-21 explica isso muito bem. Deus se indigna com a oração feita a ídolos. Tudo bem, não oramos a ídolos que fazemos. Ou oramos? Quando oramos a pessoa a quem nos dirigimos é o Deus revelado pelas Escrituras, descrito por ela, ou é uma figura que idealizamos, de um Ouvidor Espiritual ou de um SAC (Serviço de Atendimento ao Cliente)? Pautamo-nos pelas Escrituras Sagradas ou temos uma figura própria de Deus? “Gosto de pensar em Deus, assim, ó…”, me disse uma pessoa. Tive que interrompê-la e dizer: “Desculpe-me, mas é irrelevante sua idealização de Deus. O certo é: ‘Como ele se apresenta? ’”. Toda idealização de um Deus particular é um reducionismo, é idolatria e desrespeito.

(5) Para orar é preciso submeter-se. Oração não é uma ordem de serviço que passamos a Deus. Nem uma intimação. Blasfemam os neopentecostais que dizem que dizer “Seja feita a tua vontade” é falta de fé. Jesus foi, então, o homem mais sem fé que já existiu. Ensinou a submissão à vontade de Deus no “Pai nosso” (Mt 6.10), no Getsêmani (Lc 22.42). E a praticou quando se encarnou (Hb 10.5-7). Quando oramos buscamos ouvir, porque diálogo implica em mão dupla e procuramos nos ajustar à vontade de Deus. Quem queira ter vida de oração precisa aprender a obedecer.

2. O COMO E O QUANDO DA ORAÇÃO

Há pessoas que querem normatizar tudo. Até definem a hora, o lugar e a postura. “Tem que ser de madrugada!”. Respeito quem faz assim, mas me parece como marcar hora para conversar com a esposa. Deus não é nosso cônjuge, mas usei esta figura porque nosso cônjuge nos é a pessoa mais próxima. Entendo a necessidade do chamado “momento devocional”, mas receio que alguns confinem a oração a este momento. Deus não pode ser alguém com tempo e local marcados para conversa.

Deve haver constância, mas não restrição de tempo e de lugar. Você pode orar enquanto lava a louça, engraxa sapatos, faz um trabalho mecânico, que não demanda raciocínio (no sentido de ser apenas uma ação).

Oração é consciência da presença de Deus. Ele não está distante e não precisa ser trazido para perto. Nós não o “invocamos”, como se subtende nas “orações invocatórias”. Ele é o Deus que está com seu povo. “Eis que estou convosco todos os dias…” (Mt 28.20). Oração é compartilhar os momentos com ele, curtir sua presença, falar-lhe. Isso não exclui o estabelecimento de lugar e tempo, mas excede. Porque oração é comunhão. Isso fica claro, na oração sacerdotal, em João 17.21: “Para que todos sejam um, como tu, ó Pai, o és em mim, e eu em ti; que também eles sejam um em nós, para que o mundo creia que tu me enviaste”. Jesus é um com Pai, está no Pai e o Pai está nele. Obviamente esta palavra tem conteúdo teológico, como a encarnação de Deus Filho. Mas isto é dito em oração e nos sinaliza algo sobre oração: é estar em Deus. “Eu neles, e tu em mim, para que eles sejam perfeitos em unidade, e para que o mundo conheça que tu me enviaste a mim, e que os tens amado a eles como me tens amado a mim” (Jo 17.23). Oração implica em reconhecer a união Pai e Filho, que esta união se estende a nós, e que o Pai nos ama como tem amado a Jesus. Não é suplicar a Pai insensível, mas a um Pai que nos ama.

CONCLUSÃO

Não sou um “expert” em oração. Nem mesmo um desses chamados “guerreiro de oração”. Mesmo sendo pastor, sou um crente comum, falho, buscando melhorar. Tenho melhorado. Pouco, porque preciso melhorar mais. Mas aprendi a manter comunhão com Deus. Não lhe impus nada nem nada exigi. Minha vida de oração é ao meu estilo, sem violar a Bíblia. Sou lacônico, mas sincero, corrijo-me quando erro, peço desculpas aos homens e perdão a Deus. Meio caladão, mas expansivo no momento certo e com as pessoas certas. Com ele me abro e digo o que não digo a ninguém. Não copiei de ninguém. Aprendi a conviver com Deus. Ele me conhece. Ele me entende.

Oração é aprender a viver com Deus. Saber, embora não plenamente, como lhe falar. Fazer para ele, como gesto de amor e como uma oração, o que devemos fazer. Procurar em tudo manifestar um gesto de comunhão. Falar, calar, escutar, ler o que ele disse em sua Palavra, e abrir a alma com ele. Pelo menos, é assim que oro. Afirmo e reafirmo que não sou modelo. Mas reparto o que faço como oração: manter-me em comunhão com ele. Quer ter vida de oração? Mantenha comunhão com ele.
Pr. Isaltino Gomes Coelho Filho
Pastor da Igreja Batista Central de Macapá–AP